19 dezembro, 2007

1001 utilidades

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Retumbou de um jeito invasor, enquanto velozmente procurei refletir sobre o significado pessoal que ela quiçá estivesse imprimindo naquele apodo quiçá momentâneo: bordão de sucesso do esfregão de aço, lembram? Mais tarde voltei a pensar e repensar no acento de sua doce voz, emersa de fino restaurante, perto da Consolação Station. Agora estou também pensando nisso. O que será que ela quis dizer com aquilo? Às vezes adoro a companhia de celebridades, mas o olhar da Maitê Proença não é perdido e quebrado como de boi. Seu glauco vislumbre é de um respeito que procura não muito penetrar e se permite sereno perante os outros. Fora isso ela é uma coroa muito boa, enxuta, pele bem cuidada. Usava seus já manjados cabelos semi-curtos com luzes, e raízes negras talvez para dar um toque de personalidade a seu naipe de européia. De fato e de perto uma mulher muito charmosa. Deixei e-mail e telefone mas até hoje ela não entrou em contato.
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Gostei de seu papo numa entrevista no Jô - ao relatar viagens pelo mundo ela não mencionou ayahuasca que outrora fervorosamente venerou, nem daquelas tretas de respeitar a luta do Sting pela Amazônia e pelos índios. Não sei por que essa mulher deixou lembranças antes de nos conhecermos por gente. Certa vez ela viu uma luz laranja que entrou na barriga dela, segundo diálogo esotérico e meio enigmático sobre quando sua filha ainda não era concebida. Ela é dessas pessoas que despertam simpatia à distância, de maneira peculiar, sem menosprezar a inteligência alheia. Sei que ela é escritora, que já posou nua duas vezes, e sei que Sassá Mutema já a fez pensar em sua atribulada vida pessoal enquanto encarnava a professorinha Crotirde - que deixou a primeira impressão no meu coração.
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Tentei sentir o doce cheiro dos açougues que lembram a infância na terra das tempestades de verão, mas foram outros fatores que contribuiram para a reprodução de odor nostálgico como o que ela descreveu numa coluna de revista da sua emissora.

Aquariana talentosa, 100 anos à frente, estava com suas eventuais quatro amigas de mesa, todas animadas conversando sobre sei lá o quê que a fazia revirar a cabeça teatralmente perante mini-problemáticas apresentadas às esmeraldas sob sobrancelhas negras e semi-grossas. Ela fazia esse percurso condescendentemente compreensivo que acompanhei de longe, porém eles se tornaram conscientes da minha presença e cessaram. Como Proteu paralisado em meio às idéias baixo-atmosféricas ela tentou se desfazer da minha atenção, embora não me visse. Cuidadosamente me aproximei mais e mais. Já por cima do que ocorria, as amigas bebiam vinho como antas que comemoram apenas com ajuda de algum erro alheio. Sem dar atenção a essa incômoda companhia finalmente cheguei: ofereci meu produto e ela quis pagar a mais e à vista. Ofereci mais: não queria sair do encontro sendo injusto da minha parte.
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Nem mesmo no ápice da conversa: ela não mostrou os dentes em nenhum momento. Quando disse que eu era 1001 utilidades não me agüentei e mostrei os meus, mas não foi forçado, foi num momento de fraqueza, entende? Me intriga saber se ela entendeu o que meus olhos queriam dizer enquanto eu acavalava minha alegria espontânea. Ela continuou me mirando, respeitosa, iluminada por lusco-fusco ambiente que lhe caía bem no meio da escuridão confortavelmente dominada. Foi uma das únicas vezes que vi uma mulher aberta na minha frente, não tive a sensação de estar conhecendo outra parede na minha vida. Maitê me fez querer fuder com ela.
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Se eu conhecesse melhor seu trabalho, quem sabe? Se ela é dessas que gosta de ser profissionalmente elogiada, talvez me desse bem se não ficasse envergonhado. Sei das aréolas quase negras, não me lembro muito do resto, procurarei pesquisar. Acho que ela é dessas brancas que se dizem negras por dentro, a Vera Fisher uma vez disse que tinha o coração negro. Bom, talvez atores sejam 1001 utilidades, escrevam para mostrar que ainda têm cérebro e posem nus para ganhar dinheiro. Sei que Maitê já namorou um cara mais novo, Sérgio Marone, na época que ela fazia malhação com ele. Então é isso aê Maitê, um dia nos trombamos de novo por aê.
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(sustentabilidade): na hora de comprar um carro, faça um cálculo simples de qual o tamanho ideal para suas necessidades. Veículos maiores consomem e poluem mais. Modelos do tipo flex fuel estão adequados às normas de proteção ao meio ambiente. Lembre-se: prefira abastecer com etanol.

05 novembro, 2007

neo-elegias I

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Nas Margens do Rio
Fui bater cabeça nas margens do rio/ deitei e chorei/ o luto atrasado/ só o silêncio testemunhou/ foi quem ouviu/ quem preferiu alguém pra ser feliz/ Lavei a cabeça no rio/ de lavanda e esperança/ à verdade das crianças/ um dia eu volto de novo/ limpo e sadio/ com a família inteira pra sustentar/ a riqueza das tuas iaras negras/ de olhos arregalados e dentes escancarados/ Na tua bacia com as curvas da alegria fértil de fevereiro/ o ano inteiro/ eu sou pobre mas eu tô feliz/ não tenho amigos mas eu tô feliz, eu sou feliz/ o meu amor nunca foi correspondido/ mas não quero mais amar/ não quero estragar esse momento com palavras

31 outubro, 2007

neo-elegias II

Replay Renascentista
Não é mais preciso esperar 40 anos com frio no osso pra vida ser artisticamente feliz. Não é mais preciso queimar na fogueira que já apagou pras cinzas voltarem pro seu devido lugar. O recomeço não vai passar de hoje, num replay renascentista. Não é mais preciso o tempo. Não é mais preciso se crucificar como num palco interior pra alegria do povo, numa claridade já cansada de viver no truque. A ironia não pode desmaiar fora de foco numa outra perspectiva, depois de alguns dias de heresia. Não é mais preciso ter medo, pra achar graça da desgraça, pra extirpar segredos e idéias fixas. Nada vai mudar. Incomunicável, o que a cortina jamais tapou. Vendo a verdade no que restou, da insistência das ruínas que não querem ser classificadas de mentira. Pra ser passado de novo, num logoff iluminista. Pra exportar novas dores, pra chegada de um novo dia. O sol está nascendo, o disco está arranhado. Borboletas amarelas estão a mil, os olhos estão cansados.

29 outubro, 2007

(sub-sessão: metal melódico)

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No Céu

Eu queria que a vida fosse um filme
A verdade numa boa
Um cantinho pra sonhar
O céu um bar
lalaiá laiá lalaiá
Aqui de mim não há o que falar
No céu vou me chapar
Flutuar
Aqui um pedacinho de mim
Vou me arriscar
Enfim descobri
Nasci pra ser superstar
No céu
No bar
No ar
Lalaiá laiá lalaiá
Isso é atitute
Isso que é firmeza
Vamos lá
Vamos morrer
Vamos nos vangloriar
Por Deus
Pedi
Meu fim
É isso aí
Livre
Como num filme
No céu
No bar
Vamos nos amar

26 junho, 2007

parece que eu morri


Abro os meus olhos.
Mas são meus pensamentos quem eu pareço enxergar.
Antes eles se misturavam à minha imaginação porém nunca chegaram a se exteriorizar.
É como se o meu verdadeiro eu estivesse atrás das aparências, me esperando com um abraço amigo.
Me levanto do meu colchão que está cheio de vermes e onde um escorpião passeia singelamente.
Me olho no espelho, morro de medo de ver como estou esquelético, meus cabelos estão caindo, meus olhos parecem olhos de um vampiro, mas também parecem olhos de um andróide, de um drogado, de um apaixonado...

No meu peito um esparadrapo podre em pus exala um fedor de masturbar o olfato, ainda sinto um doce sentimento que me rasga o coração como faca de cozinha velha e suja -- mas ele ainda bate como motor de tecnologia de ponta --.
Um gato mia insistentemente atrás da porta, talvez atraído pelo cheiro da putrefação... É um dia violeta lá fora...
Começo a me inquietar.
Começo a procurar algo produtivo pra fazer e parar de pensar na morte da bezerra.
Ligo a TV: todos são bons e belos e trocam de papéis, mas a mensagem é satânica. A única coisa agradável de se ver é o canal de venda de jóias, fazer o quê?
Desligo a TV, ligo o rádio: "Carlota Joaquina sai da história dos livros e entra na política brasileira, leia no jornal...".
Desligo o rádio.

Crio coragem e saio de casa pra comprar cigarro, pão, patê, leite e alface -- esses dois últimos me disseram que são bons soníferos naturais --.
Chego no boteco, mas a mulher não quer me vender fiado.
Chamo ela de má comerciante, que não sabe negociar, burguesa. Ela chama o marido e eu vou embora.
Na rua tenho a sensação de estar no meio de um nevoeiro, como no filme "Os Outros", entre uma significativa troca de olhar e outra, parece sempre que sabem de alguma coisa que eu não sei.
Parece tarde...
Parece cedo...
Pareço corajoso...
Mas no fundo tenho medo.

Vejo um cavalo na frente da baia, trocamos olhares significativos também.
Entro em casa, deixo a porta aberta. Entra o neto do dono da minha baia, deita no meu colchão e liga a TV de intrometido.

Odeio esse capeta, mas eis que sinto um prazer intenso em olhar no lume dos seus olhinhos que miram a TV enquanto ele conta suas mentirinhas. Chega o cachorro dele rosnando e arregaçando os dentes pra mim. O seu dono o acalma e os dois vão juntos pro estacionamento de caminhões.
Me deito no meu colchão clandestino.
Faço minhas preces do São Cipriano. Termino.
Pego pra ler o livro "Servidão Humana" de Somerset Maugham. Meus olhos descansam à luz de velas a noite inteira...

Não gostei da estória. Largo o livro do lado do relógio que meu pai colocou do lado da minha cama oficial perfumada com sol -- são 5 da manhã. Paro pra pensar.
Pensando bem, esse meu novo eu é tudo o que eu sempre quis. Estou pronto pra ser artista, ou outra coisa que me dê dinheiro e poder. Pra que eu possa falar pra todo mundo o segredo do universo, com muita paz e amor...

Os mortos andam entre os vivos.

Eu pelo menos sei que ando, mesmo falecido.
Traço os meus planos como se eu estivesse em outro plano, onde eu surfo numa onda diferente, aciono minhas alavancas, espero sair atropelando tudo e todos.

Me levanto, me arrumo. Vou pro centro da cidade.
Faço minha identidade, pareço atraente na foto 3x4.
Enfim a maldita e fatigante burocracia.
O funcionário responsável pelo registro das digitais é o porteiro do meu colégio, pelo menos parece ser, finjo não ver.
Ele chama cada um que aguarda na fila de espera dizendo o nome de uma celebridade, e o pior é que o povo atende bem prestativo mesmo e passa se rindo pela catraca.
Vou trabalhar.
Trabalho na rua.

Recebo o irmão de Tranca-Rua, entre saravás e r-12.
Os "porco" me perseguem na nave-mãe. Desde que perdi minha memória peguei ódio fatal por polícia.
Alguns mendigos no pedaço trabalham pra ela.
Eu fico de ouvidos ligados na língua e no sopro, de cada casal que chega desfilando, um mais lindo que o outro.

Vejo a velhinha.
Ela quer que eu a leve pra casa na style. Vou com ela.
Chegamos num lugar que parece um convento. Pergunto pra ela: -- Posso te abraçar?
Ela ri espirituosa e vai embora.
Antes disso sei que estava com uns meio amigos cantando "Lucy in The Sky With Diamonds" na pracinha.

Me lembro de uma briga.
Me lembro de sangue.
Me lembro de um hospital.
Me lembro de Camilla vindo me buscar, minha meio namorada. Ela é punk, toma bola, e fuma um de vez em quando.

Abro os meus olhos.
Ela tá pelada e menstruada:

-- Fiz uma letra pra banda, diz. E recita: 



“Ar Xtranho” 
Diz pra onde eu tenho que olhar
e apontar os carimbos adolescentes
De dentro mais fundo aqui fora
suspiros
(?)

Melhor eu e você
eu tenho que me vingar

Melhor eu e você
eu tenho que te perdoar

Decisões que não foram esquecidas
porque o universo foi mais rápido
Faça o ar psiquiatra por favor
bolo surpresa?

Mama na teta do meio
Saudades da minha ficante
Uma conversa tão anos 60 

Bebe o meu semancol
Depois de fazer as contas
Meus agradecimentos políticos 

Melhor eu e você
eu tenho que me vingar 

Melhor eu e você
eu tenho que te perdoar 




-- Da hora -- eu digo.

Não ligamos pro sangue e começamos a trepar.
Ela diz:

-- Que o amor enterre o amor.

Gozamos.

Ela veste o baby-doll preto e se retira em silêncio.

Estou de novo só.
O efeito é terrível!
Nunca tive esse medo de morrer antes.
Meus pensamentos são como montanha-russa do inferno.

Parece fantasia.
Parece realidade.
Oh morte! Parece que você sorri.
Meu Deus! Parece que eu morri.