Peguei o dicionário, Xênia quer xarope, suas moléculas nervosas estão completamente sheradas, a madruga inteira quis saber o que significava uma palavra esdrúxula, lixava as unhas quando eu perguntei quantos gramas havia na cápsula. Certas horas é preciso limpar os poros, ventilar antigos odores, revitalizar a praça interior, a Xênia bem sabe que tá na hora de dar um tempo, mas não achei palavra suficiente para classificar sua mais nova fofura fictícia. Ela andava ligadona pelos corredores literários com sels mikows, à procura de um livro raríssimo, conhecido apenas em certos círculos acadêmicos. Mamãe fazia compras lá embaixo, o toró dava trégua. Teve filhotes a cadela da Miúxa, e Xênia foi dar beijinhos no coração dessa festinha particular de finas flores. Na tardinha que fazia seu eu lírico delirar, ninguém avisou que a maldita dona da parturiente tinha o livro que ela tanto ansiava olhar, ao invés de ler uma cabeça. As mikas se deliciariam com sua nova personagem, de uma delicadeza monocórdica que só ela é capaz de interpretar. Praticou a escrita por alguns anos, sem xuxesso, mas logo pôs seu sangue no Orkut como estratégia de se lançar no mundo literário-fake. Meio de ressaca confirmou sua surpresa no dia seguinte, "aleluia" - disse, e deu uma delicada fungada na narina esquerda. Rolava uma brisa na varanda. Alheia ao livro estrangeiro, a avestruz ao molho pardo serviu como prato principal da noite, porém a fadiga do outro dia ainda imperava no ar. Ela cheirou o prato, vomitou, e foi coçar a xota, molhando-a com vinho... logo pôs-se a ler sobre o tapete da Hello Kitty, perto da lareira, sob o busto de Nietzsche, naquela massagem típica das siriricas serenas. Extasiados, seus olhos boiavam num foco além da estória, mamãe limpava o vômito do chão com uma máscara de proteção. Ao olhar pra cena, vertigem sentia-se, mas ela achou o que tanto queria, anotou a idéia num caderno, e meio que num transe voltou a ler. Duas da manhã, na vitrola toca "Xu Xerife", uma ave subversiva entra pela janela, mas logo se assusta com a avestruz, já frígida naquela hora. Silêncio. Era preciso certo silêncio, os últimos fogos de artifício de leve interrompiam o devaneio, mas o tom rosa das paredes e o abajur cor de carne ambientavam legal ainda, tranqüilamente. De repente, o grito estrido-gutural chegou, contínuo na tarefa de acordar os passarinhos do baobá vizinho. Xênia estica mais três carreiras, arranca o computador, joga-o pela sacada, e dirigi-se à porta, "Xauzinho. Vou pra Xexênia!"... De certo pro mesmo lugar que ontem.
ilustração by Miau
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