24/02/2009

alma de rua


RAINHA[(s)]
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"eu não provara ainda o poder das artes / que emoção não senti ao penetrar no interior das igrejas / ao ouvir baixar dos céus as músicas divinas / ao ver surgir de tetos e paredes a profusão das formas / ante os meus olhos atônitos movia-se e animava-se o que há de mais subido e grandioso! e de repente se abriu minha prisão e meu espírito saudou / liberto / o belo sol da vida / jurei coroar a fronte de frescas flores / unir-me com almas alegres / o mistério da fé mostrou-me como os ardis da razão sempre levaram o homem ao erro / e que os olhos precisam ver o que devemos crer."
Friedrich Schiller
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sugestã ambiental: incenso
de absinto (imaginação,
criatividade e sensualidade)
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Teatro: refrigéria(o) para cidades grandes como Ciudad del México, embora não seja a (cidade) o palco de maior adversidade, logo quando o zíngaro zéfiro zen passa pelos ouvidos do ex-amigo, dizendo que ainda existe vida inteligente após Chaves e Chapolin
Colorado...
Agora Penélope Jolie ri em frente à TV, ontem sorriu pras crianças que criam ser Clara Nunes a mujer que desfilava como destaque principal duma escola de samba.
Deixei de ir no sambódromo pra usar descontos da minha carteirinha do Sesc pela 1° vez.
No caminho tentei me controlar pra não brigar com ninguém; por sorte cheguei no recinto com cara boa, espalhando meus "pode crê". Na sala de espera encontrei um amigo dos tempos de Ocas" mas ele ia ver, no último andar do edifício, astros. Bom, eu não queria perder estrelas: Georgette Fadel e Isabel Teixeira (esta prêmio Shell de melhor atriz). A discussão sobre o calor do carnaval indiretamente deve ter irritado alguém. Me despedi com o melhor sorriso nervoso-sincero e fui ao encontro daquela peça que estava adiando demais pra ver.
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Funcionários desta egrégora me conhecem como encrenqueiro, porém baixaram o pito, estranho... Mais tarde descobri que foi tudo tão bem pensado que até subalternos entram no clima da encenação, sem falar de outra coisa que está com tudo: atores-plateia.
A ascensorista desejou-me bom espetáculo com sorriso carismático e agradeci com sotaque bicho-grilo-mano-maluco. O próximo post desse blog seria chamado de "alma de rua", mas essa peça foi tão boa... Há adversidades que vêm pro bem e talvez eu retorne ao quase ex-assunto.
Entonces, vou adentrando na sala e me deparo com ela, na primeira arquibancada da esquerda: Maria Alice Vergueiro! Querida musa, pra quem não sabe é a vovó do "tapa na pantera". Tentei conter emoção e me sentei distante dela... já o palco, ah o palco... circular e coberto por adesivado labirinto de linhas brancas, por fora há duas extremidades-polo de camarins abertos - atrás de um destes tela branca meio biombo, roupas, móveis de brechó e bugigangas exóticas, uma corneta (acho que é isso). Perto da outra cadeira velha objetos + ou - de mesmo naipe porém, enquanto ao redor de uma prevalece a cor branca, aqui prevalece o vermelho e por trás espaço aberto e escuro (no fim da apresentação descobriremos que trata-se do caminho circular da saída, um caminho-museu). Entre os camarins devassados (camarinhas) há o pianista, na extremidade oposta à entrada, e ele já está tocando, vestido a rigor - bom pianista, por sinal.
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Miúdos de galinha com arroz: o estômago estava vazio dessa iguaria quando parei de ler alguns poemas concretos e reparei no castiçal de lâmpadas acima e nas mesmas proporções concêntricas do palco. A sala parece 98% ocupada. Um senhor insiste em apalpar as mãos de Maria Alice mas o aviso, sofisticado, de "desliguem os celulares" faz o cara do meu lado direito parar de tossir. A falta de nicotina in my lungs não tem tempo de finalizar suspiro #1: depois de cerca de 2 minutos do fino aviso, a plateia está inquieta, quando chegam, arfantes, duas sujeitas cheias de coisas nas costas, talvez regressas dum passeio de escala à montanha: me pegaram.
Ambas começam a enrolar/animar a plateia enquanto tiram o peso das costas em seus respectivos camarins devassados: estão à procura de um coração: todos respondem descontraídos: mantenho-me imóvel. Antecipam dizendo que um dos temas principais da noite será a morte. Parecem meninas inteligentes, engraçadas, cheias de vida etc; até quando, aos poucos, entra em cena uma aparente assistente de palco: ela abre janelas atrás da minha arquibancada com o intuito de baratinar minha ultratenção de líder-quixotesco da plateia; eu não sou almirante do ar e imito Caetano Veloso (quando acometido de interferência semelhante em um show no Rio, ele fingiu que se assustou com um roadie inoportuno e manteve o mesmo temperamento até o fim da apresentação...): as janelas trarão o barulho da(o) trânsito da Av. Paulista a noite inteira: Maria Alice mexe as pernas: atrizes gravitam emoções no sentido da diva: são convincentes: sair ileso da festa será difícil e ver a dama do teatro paulistano como espectadora é um deleite...
Sem brincadeiras de gato(a)(s), são estabelecidos os papéis: Elizabeth I parece ser a . Lua atropela adversidades não-mencionadas na 7° casa enquanto Júpiter se alinha à Marte: não será preciso criar barreiras para a linha dramatúrgica: o escritor mata a boazinha (Mary Stuart) no fim. A menina , de olhar penetrante (39% estrábico), usa um cabide como coroa, olha no olho da plateia e tem consciência disso quando começa a botar asinhas de fora. Por sua vez a sujeita de olhos claros, mais lubrificados e abertos veste panos reais para comandar o primeiro movimento de tango da minha respiração, com comentário sobre a "mulher moderna" que diariamente se espelha na semiloira que dialoga com papagaio de pano, na TV: passo a mão na testa, olho pro chão e tento não mostrar os dentes. Depois disso vem a piada da terra (que ganha semirrevival espirituoso 1h mais tarde): a mulher-bomba dentro do supermercado: meus olhos fogem para o lado direito ao mesmo tempo em que franzo a testa e semicontrolo minhas covinhas, isto é: sempre tento não engolir o mero contexto inicial, não mastigar a pele consciente e impermeável da arte.
A rainha de vermelho mal adquire poder e já diz que "não entende" a branca (a ) - que só está querendo salvá-la de traiçoeira e cega vanglória, pobrezinha: ah... o teatro... teatro de fôlego barroco... eu amo o teatro.
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Cansei... O subtítulo desse post terá o nome da peça pois o efeito do espetáculo trouxe de volta parte dos meus pensamentos anárquicos, com toques de teosofia, agora. A última vez que tive "ultra-fame-sensation" não foi com "O Processo" da cia. Borelli, nem com o grupo Buendía de Cuba encenando adaptação de Marat/Sade, muito menos pelo fato de um ator-plateia ter dito que ia "fumar um" ao entrar no elevador que desceria para a saída.
Acredito em códigos cênico-espirituais e em RAINHA[(s)] (direção de Cibele Forjaz) as atrizes abrem garrafa de vinho pra celebrar o vox popoli - voz do povo que decidirá qual das duas será decapitada, como se pudéssemos mudar a história (passada): primeiro frio-exclusivo-vanguarda na minha espinha: cena bem encaixada no despreparo: vi mta gente votando nas duas [o voto eh feito com bolinhas brancas e vermelhas depositadas em urnas de mesma cor, oferecido(as) através das mãos da atriz cirúrgica] pra não ficar com consciência pesada perante Baco. Desisti de condenar tal injustiça e, pra compensar, beijei a luz, stanislaviskiamente acalorado...
Revanches acontecem na disputa e posição entre as alucinadas realezas.
No começo, mesmo que pouco amáveis, uma completava a outra, agora estabelecem dicotomia pública, amparadas pela confusão histórica, diria que histriônica e constante inversão de papéis mudando placar da cena sem mais reverter a atuação da plateia - agora conquistada como torcedora subjetiva.
As interpretações são mais ricas e complexas à medida que, arriscando supetão lírico, não chegam a evoluir para algo mais sublime. Lâmpadas caem alguns centímetros acima do palco, meus olhos brilham: alegoricamente é formada a torre da prisioneira - a boazinha.
Tenho cara de retardado e também sou ligadão: não me esqueço do tuberculoso ao meu lado, o barulho da rua logo atrás, atuação cirúrgica, adolescente subconscientemente provinciana a meus pés, japonesa semirreferencial da arquibancada em frente e o movimento das pernas de Maria Alice.
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Talvez, no fim das contas, a verdadeira rainha seja a atriz cirúrgica, se é que a peça denuncia falsa personalização da época absolutista, em paralelo com personalizações governamentais de hoje - coisa que requer análise tanto ou mais cirúrgica durante o espetáculo também do pianista, dos atores-plateia e funcionários do Sesc. Bravo.
Eu cri ter recuperado minha alma de rua, algo que me atormenta mas que eu gosto, não sei se há um nome para o efeito cênico revolucionário causado no espectador.


recebo e-mail com um tal de manifesto realtragista: gatos brincam: dias de folia passam e ainda me sinto atraído pelas atrizes. Acabei esquecendo dos astros no último andar.
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ficadica:
A água até cai do céu, mas é um recurso esgotável e raro em muitos lugares do mundo. Se em apenas cinco minutos você escovar os dentes com a torneira escancarada, 12 litros de água potável serão desperdiçados.
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rainha.de.rua.

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