11/05/2008

van gogh

- Você nunca vai paAraAaAaRrrhhh?...

Sirenes divinas ecoam na caixa surda da minha cabeça. Oh my God, oh my God, expensive justice for dear God! Não sei quem é mas já conheço, é como um soprão de ouvidos mesmo, me encontro em pleno Van Gogh perante este estertor de outros tempos, cavernosos.

- Não está vendo essas caras grotescas ao nosso redor?
.
Bafo seco da traição reivindica sensação de um sonho alhures. Não sou eu o menino que veste paletó? Não sou eu que exalo naftalina? Madama não tem tempo de respirar? Não vou desmoronar o charme desse caveirão, enternecido.

- Onde paramos mesmo?
- Ah,,, tu sabe... nAqueElaAas cooOisaAaAasss toOoOodaAahsss...

Aquelas grandes questões não respondidas pelo saxofone da Benflos, vidas mofadas em mesas mal iluminadas por candelabros suspensos. Bate-papo sem fim nem começo, paramos no coração da madama, e ela deixa reluzir uma ponta do depósito da alma. Me esforço para não olhar para os reflexos Bruce Lee, seria o grande espelho de moldura vetusta logo atrás fruto da uisqueria da minha imaginação? Juro ver aranhas refestelarem-se em sua aura grisalha.

- SOooOOooou artista plástica.
- Ah é? e eu apenas um cinéfilo das antigas.
- Mesmo?
- Yeah.
- Já viu o filme O Iluminado?
- Yeah.
- Sabia que o verdadeiro iluminado do filme era o gurizinho...?
- Ué, sempre achei que fosse o Jack Nicholson.
- AaAaAhhrrr... a juUveEntuUuUuUdeEhhhhh...

Tenho rigidez de movimentos necessária para galantear madama. Passarinhos piam dispersamente na Redenção. Um resquício de vida crepita no cadáver:

- Tu faz michê na J.B.,,, né?
- Não, sou técnico do amor.
- Para de fazer esses códigos com o espelho.

Calma, se o sorriso é científico, inesperadas paranormalidades surpreendem as mãos:

- Te quiero.

Cinismo aos poucos vai cedendo, tenuemente desvencilhando-se da caricatura do gato de Alice até recusa distorcida que envelhece momento num piscar de olhos. Madama retira as mãos frias do meu aconchego inocente para um gole de vinho, e olhos espiam pelo véu da noite, meio assustados, olhos desiludidos com o amor:

- Vai embora.
- Vamos juntos.

Imagine ficar assim, pra sempre nas vascas metálicas desse bar, falando sempre sobre aqueElaAaAsss coOoOisAaaasss... 
Madama esconde mãos no xale preto:

- Tá achando que me engana,,, é?

Quando cai os níveis de noradrelina e serotonina é sempre assim, nem mesmo a patricinha que entra no recinto ressuscita a graça daquela névoa viciosa, assim é a vida, assim é a noite, conversa brocha, quem vai embora primeiro? Mais vinho por favor. Não sou eu que faço festa em off? Esse quadrilátero encarquilhado sempre me cheirou à morte, bafo. Não olhe por cima da minha cabeça, tenho fôlego do fogo nos teus olhos, devolva-me as mãos.

- AAAaaaAAAAhhhhhHHhhHHhrrr...
- Eu pago a conta.

Estaria em coma meu amor? Ou suruba clandestina não gozaria a luz e a esperança do dia? O calor... As crianças no parque, camisinhas usadas, nosso júbilo abençoado por travecos, tartarugas, gambás e morcegos. Quando acordasse assombrada me encontraria do seu lado e, após um bom banho de chafariz, eu confortaria sua carranca descrispada no abraço do meu peito. Essa cara de gárgula amanhecida, ainda meio arisca e desconfiada da realidade:

- Ainda bem que foi com você...
- Comigo o quê?
- Que eu trepei na rua...

Todas faces fantasmagóricas podem confiar no meu abraço angelical; beijo do dia para o vaticínio final da boemia impregna não só as roupas, mas também o escárnio digno não-condizente ao rumor dos espectadores que apenas lamentam o triste fim dos lunáticos - na eterna promessa de outras festas, sob roupagem nova. 

Outros dias não é que eu passava pela esquina do bar (morava na República) e ela continuava ali? Às vezes entrava (de dia), pedia refri, lia Machado de Assis numa mesa com janela de frente à J.P., e ela naquele mesmo ar, blasé... envolta pela madeira escura que disfarça idades avançadas... fazendo que nem me conhecia, ali... No mesmo lugar... 
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sozinha... 
.
pra sempre...

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